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Mostrando postagens de 2018

Zarabatana

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"Certo dia, o índio em cuja casa eu me encontrava resolveu ir à floresta em busca de tubos para suas zarabatanas. Decidi acompanhá-lo. Seguimos por cerca de uma milha, até um local onde cresciam diversas palmeirinhas da espécie Iriartea setigera (Martius), de 10 a 15 pés de altura, cuja espessura variava de um dedo a duas polegadas de diâmetro. Em virtude das marcas deixadas pelas folhas que caíam, elas davam a impressão de possuir gomos. Dentro, porém, havia uma tenra medula que, quando extraída deixava ver uma cavidade ininterrupta, lisa e polida. Meu companheiro selecionou algumas das mais retilíneas que encontrou, de todos os diâmetros possíveis, levando-as para casa. Ali, os caules foram deixados ao sol para secar. Suas medulas foram extraídas por meio de uma comprida vareta feita do cerne de outra palmeira, e os interiores limpos e polidos com pequenos feixes de raízes de um feto arborescente, puxados e empurrados diversas vezes por dentro dos tubos. Feito isso, cada índ

A confecção de uma canoa na mata

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"Permaneci no sítio de João Aracu até o dia 19 e, na volta, tornei a ficar ali quatorze dias. O lugar era ideal para coleta de espécimes de história natural. Não havia mato rasteiro obstruindo a floresta, que era cortada em todas as direções por trilhas com vários quilômetros de extensão. Eu não podia empregar meus dois homens ali como caçadores, de forma que, para mantê-los ocupados enquanto José e eu explorávamos a mata, encarreguei-os de construir uma montaria sob a orientação de João Aracu. Primeiramente foi escolhida a árvore apropriada para a confecção do casco da canoa; tratava-se da espécie denominada itaúba-amarela. A árvore foi derrubada, e de seu tronco cortada uma tora de 6 metros de comprimento. Com a ajuda dos empregados do meu hospedeiro, a tora foi arrastada da floresta por uma trilha sobre a qual haviam sido espalhados pedaços de madeira cilíndricos que funcionavam como esferas de rolamento. A distância a percorrer era mais ou menos de 700 metros, sendo as cordas

Uma linda espécie de Cattleya violacea

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"[...]. Ao passarmos pelo rio Caurés, vi um agrupamento de Cattleya violacea , tive dúvidas de quantas ainda existiriam em nosso caminho na volta. [...]. Havia poucas habitações pelo rio e, à medida que prosseguíamos, notei que a vegetação era quase toda muito semelhante. A alteração na vegetação foi percebida somente nos dois últimos dias quando entramos em um maravilhoso igapó chamado Boca do rio Cuiuni por cima, com grandes árvores nas quais fiz as melhores descobertas de toda a viagem, incluindo uma Oncidium lanceanum . Uma rã enorme, dois escorpiões vermelhos e bandos de formigas frenéticas jorravam de uma simpática Billbergia .  Retornei do rio Cuiuni mais cedo do que pretendia, devido, principalmente, a uma linda espécie de Cattleya violacea que havia encontrado com quatro flores perfeitas. Como não encontrei outras da mesma espécie, acreditei que essa era uma das últimas a florescer e tive medo que não sobrevivesse em seu perfeito estado em tempo suficiente para pintá

A aprazível cidade de Belém

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A cidade de Belém têm sido, através dos tempos, o primeiro lugar amazônico onde aportam os forasteiros que vêm de todo os recantos do orbe conhecer o vale, pesquisar a ciência, onde arribam tantos cidadãos pelos motivos e interesses mais variados. Essa preferência é marcada pela posição geográfica que ocupa na Amazônia a capital do estado do Pará. [...]. Escala obrigatória para quem entra e sai do vale amazônico, cidade aprazível, povo acolhedor, explica-se, assim, a divulgação, a fama, o conhecimento, que correm mundo nas folhas dos livros de viagens, nas asas do lirismo, nos crayons e nos pincéis da aquarela e do óleo, nas páginas dos naturalistas, nos relatos dos turistas, a respeito da cidade guajarina. [...].  Leandro Tocantins.  O rio comanda a vida . 2 ed. 1961, p. 35-36. Teatro da Paz (Belém-PA), 1939. Aquarela de Georges Wambach (1901-1965) Prefeitura de Belém. Belém, ontem, hoje e sempre.

Vegetação aquática

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"[...], meti-me em uma pequena montaria e fui examinar o igapó que cobre a baixa das terras na frente do engenho. A vegetação aquática aí, é a mesma que encontrei nos lagos de Santarém. Compõe-se de duas espécies de pontederias uma de folhas largas e outra de folhas estreitas: sendo a primeira conhecida no Rio de Janeiro, de uma espécie de utricularia de flores amarelas, de várias nympheaceas , entre elas uma espécie, que estava então em flor e que julgo ser a nymphaea alba . Borda esse igapó, assim como quase toda a margem do Ayayá, a canarana, que é uma gramínea, que cresce quase sobre a água nos lugares baixos, onde as raízes possam tocar o solo, e que substitui o capim d´Angola, do sul. Desta canarana é que são formados quase todas as ilhas que matizam o Amazonas. Assemelha-se à cana crioula, quando nova, e daí o nome de canarana, ou cana-falsa. Serve de abrigo a diversos pássaros aquáticos que nela procuram ocultar-se do caçador, ou mesmo aí acham o seu alimento, como a p

Um lago de vitórias régias

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"Saí de Tefé às 10 horas da manhã, atravessei a lagoa em duas horas de canoa, e entrei sob as árvores no furo (varadouro) ou canal de Caiçara que liga, em tempos de enchente, o Solimões ao lago de Tefé. A lagoa estava inteiramente imóvel. O sol, em todo seu esplendor, lançava raios de ouro sobre a superfície límpida, cujo tom escuro fazia as vezes do estanho em nossos espelhos. Produzia um reflexo deslumbrante. Tivemos a sorte de encontrar refúgio nas sombras frescas de um igapó (floresta inundada), de lá saindo perto das duas e meia da tarde. No começo as águas são estagnadas, até chegar a um lago de forma oval, atravancado de juncos, nenúfares, ervas e vitórias régias. Ao sair do lago, é preciso enfrentar uma correnteza mais ou menos forte em função do nível das águas que vêm do Solimões. Esse furo é evidentemente testemunho da época longínqua em que o Amazonas aqui se unia ao lago de Tefé, no ponto em que ainda existe o pequeno lago. [...]. Eu tinha comigo apenas um remador,

Quando o sol se esconde atrás das árvores

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"O tempo estava agora firme e seco, e o rio baixa rapidamente - seis polegadas em vinte e quatro horas. Nesse recanto remoto e solitário posso dizer que ouvi pela primeira e quase única vez, o tumulto da vida ao por do sol, que Humboldt diz ter assistido nas fontes do Orenoco, mas que é desconhecido nas margens dos outros rios maiores. Os ruídos dos animais começam  logo que o sol se esconde atrás das árvores, depois de tarde abafadiça, deixando o céu tinto de azul intenso. Dois bandos de guaribas, um perto de nossa embarcação, o outro a um oitavo de milha de distância, enchiam as matas de seu horrendo bramido. Bandos de papagaios, incluindo as araras azuis que buscávamos, começaram a passar e os diferentes estilos de guinchos e crocitos faziam terrível desafinação. Juntavam-se a estes ruídos os cantos de estranhas cigarras. Uma grande espécie pousava nos ramos altos das árvores em torno de nossa pequena enseada, fazia o mais estridulo zangarreio: começou com as notas ásperas e

Os interessantes tucanos

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"Ninguém vendo um tucano, consegue dizer qual a utilidade do enorme bico que, em algumas espécies, chega a sete polegadas de comprimento por mais de duas polegadas de largura. Farei aqui algumas observações a esse respeito. Os primeiros naturalistas, tendo visto apenas o bico do tucano, que tinha sido considerado como produto maravilhoso pelos virtuose dos séculos XVI e XVII, concluíram que a ave devia pertencer a ordem aquática, de pés palmados, na qual se encontram tantas espécies de notável desenvolvimento de bico, adaptado para apanhar peixe. Alguns viajantes também contaram histórias fabulosas de tucanos, que vinham às margens dos rios alimentar-se de peixes, e tais narrativas também incutiram, a respeito dos hábitos de tais aves, as vistas errôneas que prevaleceram durante tanto tempo. Mas atualmente os tucanos são bem conhecidos como aves eminentemente arborícolas e pertencem ao grupo (que inclui também os trógones papagaios e tamatiás) cujos membros são todos frugívoros.

Os colibris multicores

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"[...]. A vegetação não era de modo algum densa e composta como a floresta da Amazônia, pois os raios de sol escoavam profusamente pelas clareiras entre as árvores maiores e permitia à luz do sol manchar as folhas polidas e brilhantes das plameiras com sua luz dourada, em um lindo contraste com as partes sombreadas. Muitos pássaros frequentam estas valeiras adoráveis, com suas penas de cores vívidas, combinando com a paisagem. Havia araras carmesim, azuis e douradas, papagaios verdes, colibris multicores, longos tucanos de bico amarelo e púrpura e corpo branco, periquitos tagarelas verde-azulados, pica-paus de cabeça vermelha batendo nas árvores com pancadinhas rápidas e agudas em busca de larvas e insetos, e os ninhos do japim suspensos em feixes de ramos entrelaçados. [...]". James W. Wells [1841-?]. Explorando e viajando três mil milhas através do Brasil : do Rio de Janeiro ao Maranhão. 1995, v. 2, p. 200-201.  Colibris em Heliconia sp.  Gould, J. A monograph

Uirapuru, o mais notável pássaro canoro

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"Eu ouvia frequentemente, nas vizinhanças dessas choças, o canto do realejo ( Cyphorhinus arada ), o pássaro canoro mais notável das florestas amazônicas. Quando a pessoa ouve pela primeira vez as singulares notas do seu canto, a impressão que tem é que elas partem de uma garganta humana; imagina, então, que algum menino, amante da música, anda colhendo frutas no meio do mato e cantando para se distrair. O tom vai-se tornando cada vez mais aflautado e plangente, lembrando o de um flajolé, e, embora isso seja absolutamente impossível de acontecer, a pessoa se convence por uns momentos de que alguém está tocando esse instrumento. Não se vê nenhum pássaro em parte alguma, por mais que se esquadrinhem as árvores e arbustos das redondezas, e no entanto o som parece vir da moita mais próxima. O final do canto é um tanto decepcionante. Começa com algumas notas lentas e suaves, emitidas em sucessão, como se fosse o início de uma melodia; ficamos à escuta, esperando ouvir a frase musical

As belas "canindés" amarelo-azul-claro

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"Pela madrugada, o bugio enche a selva com seus estertores enquanto as "araras-guaçus" de azul intenso e as belas "canindés" amarelas-azul-claro, saúdam estridentemente o nascer do Sol, voando aos pares. Manadas de macacos, como acrobatas prodigiosos, vão de galho em galho, de árvore em árvore, curiosos, devassando, esmiuçando tudo. A jaguatirica manhosa e paciente já está à espera para abocanhar o imprevidente quadrumano.  Pendente das pontas dos "sarans" e das goiabeiras bravas, o camaleão espreita. Horrível, mas inofensivo, miniatura de seus antepassados diluvianos, provoca asco e temor. Suspenso como fruta, cai, de súbito, vítima, também ele, do imprevisto, dentro dos batelões ou das canoas que margeiam o rio na subida. O "socó-boi" imita o mugido da vaca e os olhos do viajor procuram, instintivamente, a rez tresmalhada movido pela surpresa de um encontro fora do comum. Mergulhões lindíssimos ficam em equilíbrio sobre os paus que a

Jacamim, a ave social

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"[...]. Ao meio dia pode-se ouvir o jacamim. Dominando o chiar das cigarras surge o som estridente de um clarim, que termina em verdadeira risada. Seguindo na direção dessa música, acabaremos por encontrar o jacamim, que os índios chamam de agami. O jacamim habita a floresta e é ave eminentemente social, que gosta de estar com as outras aves ou com o homem. É fácil de domesticar e tem pernas longas e pescoço comprido. A plumagem fofa é quase toda preta, com tons de chamalote púrpura no peito. Quando anda, o jacamim levanta a cauda cinzenta e parecida com a do avestruz, como faria uma senhora com a barra da saia, ao atravessar um caminho sujo. O jacamim é parente distante dos guarás e das garças, assim como dos colhereiros, cujo bico parece uma colher, mas deles todos se distingue pelo bico, que lembra o das galinhas. Às vezes o jacamim toca a sua corneta para denunciar o perigo. Outras, por mero divertimento. Mau voador, tem de contar apenas com as pernas compridas para fugi

Os sons da Natureza

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"[...]. Como continuássemos o nosso passeio, começou o breve crepúsculo e da vegetação em torno nos chegavam os múltiplos sons de uma vida multifária. O zangarreio das cigarras, o canto estrídulo dos grilos e esperanças, cada espécie com a sua nota particular; o coaxar plangente das pererecas, tudo fundido num soido contínuo:  - a expressão audível da profusão prolifica da natureza. Com o cair da noite muitas espécies de rã e de sapos dos alagadiços próximos vieram juntar-se ao coro: seu coaxar e martelar, muito mais alto que qualquer outro que eu tinha ouvido até então, juntando-se aos demais ruídos, faziam um alarido quase ensurdecedor. Mais tarde verifiquei que esse rumor nunca cessava completamente, dia e noite, mas com o decorrer do tempo eu me habituei a ele, como os outros residentes. É esta, contudo, uma das singularidades do clima tropical - pelo menos do Brasil - que provavelmente mais surpreende ao estrangeiro. Quando voltei para a Inglaterra, o silêncio de morte dos

Impressões de viagem

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"Tivemos noite fria e excessivamente úmida. Deixamos a rede com o início do barulho dos macacos sorococós e agora, já banhados por um sol que nos dá vida e ânimo, estamos enfrentando os maruins e ouvindo o choro típico dos japus. Os remansos na curva do rio fazem ruído característico e, ao longe, os tucanos gritam desordenadamente, como se fossem cães latindo na mata.  Um ariramba acaba de passar, emitindo seu piado inconfundível. O zumbido das mangagavas e o pio das pipiras e outras aves, completam o quadro desta manhã bonita. Um sem número de pequenos ortópteros enchem o ar dos chiados mais variados. O macuco já parou de chamar a companheira, que já está sororocando nesta época, os macucauás, porém, e inhambus-relógio continuam comunicando-se uns com os outros. O sol brilha sobre a vegetação, umedecida e profundamente verde. Há vida em tudo, despertada e ativada pelo calor da manhã. Agora, bem aqui ao meu lado, dois anus estão caçando insetos, aplicando nisso sua grande habili

O soberbo mundo vegetal

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"[...]. As florestas desta ilha são ricas em originais raízes adventícias, que às vezes elevam-se tão alto acima do solo que se pode comodamente passar por baixo. Outras raízes salientam-se, como já disse, subindo pelo tronco acima como tábuas triangulares. Uma novidade para nós foram, ao contrário, as raízes das palmeiras com folhas em leque, que são formadas, por feixes compactos de incontáveis bastonetes lisos, entre os quais frequentemente alguns são de um encarnado vivo. Numa dessas palmeiras uma segunda raiz semelhante começava a sair, bem a 3 metros acima do solo, o que lhe dava um aspecto muito original. Sobretudo as raízes dos rizóforos são verdadeiramente características - um verdadeiro símbolo - do soberbo mundo vegetal destas terras do delta, que deixam para trás tudo quanto neste sentido já vimos no Brasil. Tudo aqui é colossal; o chamejante sol equatorial atrai aqui mais poderosamente para si, se assim se pode dizer, o manto verde de plantas do nosso planeta nestas

A cozinha paraense

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"Então, a cozinha amazônica – especialmente a paraense – se destaca pela autenticidade, pela sua índole nativa, pelo fato de os seus elementos e condimentos serem autóctone, e por conta do que tem de mais selvagem: o picante e os aromas. E mais: ela é quase tudo o que nos resta de nossas origens tribais. Para que seja uma cozinha de difícil exportação (a não ser em condições especiais), pela dificuldade de conseguir as condições ideais que pudessem garantir a fidelidade, a propriedade do paladar autêntico. Só quem já comeu um autêntico pato ao tucupi paraense pode entender o quanto fica longe, apagada e mal falsificada, a contrafação que existe em alguns restaurantes. E, ao mesmo tempo, explica porque é realmente difícil encontrar restaurante ou mesmo pratos amazônicos longe de lá. A cozinha paraense, ou melhor, a de Belém, começa no mercado, na doca do Ver-o-Peso. A felicidade do estômago, diz Osvaldo Orico, “não está apenas na hora em que os pratos começam a ser s

Um verdadeiro dilúvio

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"Esta madrugada foi, até o presente, a pior desta viagem e acredito que dificilmente passarei outra igual. Acordei às 2 hora da manhã ensopado de chuva. Caiu verdadeiro dilúvio, com vento e trovoada, molhando-nos em segundos. Tive de me levantar, pois de nada valeria ficar deitado numa rede molhada, com a coberta encharcada, chuva caindo por todos os lados. Nosso fogo apagou depressa. A solução escolhida foi acocorarmo-nos embaixo de algumas folhas de inajá e, de cócoras, esperar que as horas se escoassem. Assim esperamos até o dia amanhecer, 3 horas seguidas sob forte chuva e vento. Ao amanhecer, nossa pele estava enrugada e branca, como se tivéssemos permanecido todo esse tempo dentro d´água". José Cândido M. Carvalho (1914-1994). Notas de viagem ao rio Negro. Publicações Avulsas do Museu Nacional , Rio de Janeiro, n. 9, p. 61, 1952. Folhas da palmeira Inajá ( Maximiliana regia) . C. Fr. von Martius. Historia Naturalis Palmarum 1823-1850

O lugar sagrado, onde todas as forças se reúnem harmoniosamente, segundo Martius

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Pará 16 de agosto de 1819. Como me sinto feliz aqui, como chego a compreender a fundo muito daquilo que até agora era inacessível! O lugar sagrado, onde todas as forças se reúnem harmoniosamente e ressoam como canto triunfal, amadurece sensações e pensamentos. Parece-me compreender melhor o que é o historiador da natureza. Diariamente lanço-me na meditação do grande e indizível quadro da natureza e, embora seja fora do meu alcance compreender sua finalidade divina, ele me enche de deliciosas emoções – São três horas da madrugada, levanto-me da rede porque não consigo mais dormir de excitação; abro a venezianas e olho para a noite escura e solene. Magníficas brilham as estrelas, e o rio resplandece com o reflexo da lua poente. Como tudo é quieto e misterioso em torno de mim! Ando com o lampião para a fresca varanda e contemplo os meus queridos amigos, as árvores e arbustos em redor da casa. Alguns estão dormindo com as folhas bem dobradas, outros, porém que descansam de dia, elev

Crepúsculo da tarde

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"Há um recolhimento religioso em toda a natureza. O sol se esconde, entre nuvens de ouro. As águas que rolam na correnteza não têm mais a cor de barro. Sob os reflexos do fim da tarde, tomaram uns tons que maravilhosamente, semelham prata velha. O rio parece um imensurável espelho, que transmuda, de instante a instante, em nuances multiformes e policrônicos, as suas escamas e maretas... Pelos ares, marrecas e periquitos, em algazarra aos bandos. A mataria, nas beiras, tem os cimos das suas copas doiradas. Vem da floresta um rumorejar surdo que mais aumenta agora, para, daqui a instantes, diminuir de intensidade. O gralhar mais agudo de algum pássaro em luta zarpeia os espaços e responde, muito distante, no eco sonoro... Em seguida, logo, a solidão que, como um sudário, envolve a grande paisagem do sol morto. A semi-penumbra desfaz-se a pouco e pouco, sem a gente aperceber-se. Tudo está envolto em sombras. Já não mais se descobrem as árvores grandiosas. As

Os graciosos leques da palmeira indaiá

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"[...]. O caminho coleia junto à falda, através de belos bosques de coqueiros, penetrando depois por entre as montanhas; ele é bem traçado e foi muitas vezes aberto com esforço entre rochedos e precipícios. Nos trechos mais perigosos é protegido por um parapeito. A paisagem é de notável beleza; avistam-se a cada momento profundos vales cobertos de sombria mata, destacando-se no fundo verde-escuro das florestas que vestem os flancos das montanhas os caules delgados  e brancos das imbaúbas ( Cecrópia ) e os graciosos leques da palmeira indaiá. Outra cena ainda mais bela ia-nos prender a atenção. O rio Tombador, largo de uns 15 metros e fechado pela magnífica floresta tropical, aí se precipita perpendicularmente de uma altura de 20 metros numa profunda garganta, expandindo-se embaixo da cachoeira numa bonita bacia. O caminho, bastante íngreme, continua a seguir o trajeto do rio, que apresenta ainda diversas cascatas, menos imponentes, é verdade, do que a primeira, mas ainda assim m

As mangas grão-paraenses

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"Comida é coisa que vem de arranjos do indígena. A cozinha grão-paraense é a mais típica do Brasil, porque suas origens e causas só se rendem à terra. Ao primitivo, ao puro habitante do Grão-Pará. É a mais "orgânica e fundamental", dá-lhe a devida patente o escritor Osvaldo Orico. Que se faça respeitar a primazia ecológica e a profusão de pratos em demanda gastronômica nos matos, nos ares, nas águas grão-paraenses. Verdade que fica enxertada nos olhos é a profusão de frutos saborosíssimos: açaí, bacaba, patauá, buriti, murici, bacuri, cupuaçu, mangaba, pupunha, uxi, taperebá, fruta-pão, jaca-do-pará, graviola, mamão, abiu, ananás, ata. E mangas! Apesar de origem indiana, é tão forte e ecologicamente grão-paraense que se torna brasão vegetal da terra: mangas por toda a parte, de todos os tipos e perfumes, e suas mangueiras enormes, decorativas, mães de sombra e de lazeres. De tudo se põe a crédito refrescos, vinhos, doces, sorvetes. [...]". MAIA, Tom; TOCANTINS

Pela primeira vez na Floresta Amazônica

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"Não sou capaz de exprimir as minhas sensações durante o percurso de quase um quilômetro, até o ponto onde estava a canoa. Imaginem-se os amigos, pela primeira vez em floresta amazônica, trilhando uma picada coleante, em plena escuridão, atrás do guia portador de uma lamparina fumarenta, galgando velhos troncos caídos passando rente de árvores de diâmetros desmesurados subindo para as alturas, e confundindo-se no teto sombrio das copas que quase não deixam filtrar a luz do dia, por certo a essa hora, clareando a imensidão do lago. E os ruídos da mata?!... São fantasmagóricos. Aos nossos pés e nos galhos pelos quais passa rente nosso rosto, coaxam as rãs perereca no seu característico estalido metálico. Bandos de araquãs nos mandam lá do alto, bem por sobre nossas cabeças, o coro sonoro de seus gritos onomatopaicos, em resposta ao outro bando muito longe, gritos que dizem claramente destacando as sílabas, quase como vozes humanas: Araquã... Ara-quã... quã... quã... Ara-quã...

A flor da Helicônia cor de fogo

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"[...]. Árvores novas e vigorosas dessa espécie, de 20 a 30 pés de altura, erguem os caules eretos e pardo-escuros, rodeados de anéis de espinhos; as belas palmas protegem o chão úmido de sol abrasador do meio-dia; enquanto outras mais novas, ainda sem caule formado, constituem a vegetação rasteira, sobre a qual se abatem, como colunas partidas, velhas palmeiras secas e mortas. Em cima dessas árvores, votadas à destruição, trabalha o solitário pica-pau de topetes amarelo, ou a bonita espécie de cabeça e pescoço vermelhos... Perto de nós, a flor da Helicônia cor de fogo enfeitava as moitas baixas nas quais se enroscava um lindo Convolvulus de admiráveis flores azuis campanuliformes. Nessa magnífica floresta, as trepadeiras lenhosas mostram-se em toda a originalidade, com formas e curvaturas singulares. Contemplávamos embevecidos esse ermo sublime, animado somente pelos tucanos, pelos pavós, papagaios e outras aves. [...]". Maximiliano, príncipe de Wied-Neuwied (1782-1867).

O sabor especial do Bacuri

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"Além dos frutos que são verdadeiros "pratos", como o açaí, a bacaba, o piquiá, a pupunha, [...], a Amazônia oferece-nos uma surpreendente feira de produtos que são metade flor, metade alimentos, com os quais se delicia o paladar dos nativos, dos turistas, e até o dos convivas dos grandes centros urbanos. É tão especial e substancioso de certos frutos tropicais, que Nunes Pereira coloca os carás, as castanhas (além da do Pará, existe a sapucaia), a pupunha, a sorva, o tucumã, o umari e o uxi na rubrica dos alimentos. É o caso do bacuri, que o Barão do Rio Branco adotou como sobremesa dos grandes banquetes oficiais do Itamarati e de que era apreciador nato. Sua preferência levava-o a tornar-se um exímio propagandista das excelências dos frutos tropicais, por ele considerados não só uma dádiva da terra, mas um manjar dos céus. [...]. Anote-se, entretanto, em favor da benevolência do seu paladar, que o fruto em calda, enlatado para exportação, está longe de ser o

Uma bela espécie de Bacaba

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"À medida que avançávamos pela correnteza turva e borbulhante, perlongando a mata verde e encharcada pelas chuvas, íamos deparando grandes árvores inclinadas sobre as águas, em ambas as margens. Nos pontos em que o rio se estreitava e as árvores pendentes eram muito longas ou coincidia ficarem as de uma margem na direção das da outra, tínhamos pela frente uma barreira que somente o machado removia. Havia muitas palmáceas, sobretudo, buritizeiros de frondes rijas em forma de leque e uma bela espécie de bacaba com longas e graciosas copas recurvadas. Em certos sítios essas palmeiras se erguiam umas bem junto das outras, afuniladas e esguias como majestosa colunata encimada pelas frondes em alto relevo sobre o fundo do céu". Theodore Roosevelt (1858-1919). Nas selvas do Brasil . 1943, p. 229. Bacaba-de-leque. Oenocarpus distichus Mart.  (Detalhe) J. Barbosa Rodrigues. Sertum palmarum brasiliensium . vol. 1, t. 38, 1903.

Rica vegetação

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"[...]. Só depois daquela tarja florística, sempre de porte pouco elevado, que acairela o rio dos dois lados e onde, amiúde, o tabocal forma um pano de fundo, é que a mata da várzea começa gradativamente a alterar-se e enriquecer-se, pontilhada de palmeiras, que aí abundam tanto em número de exemplares como em variedade de espécies, jupatis, miritis e murumurus, açaís, inajás e paxiúbas, marajás, urucuris, bacabas e mumbacas; entremeada de imbaúbas e mungubeiras; ostentando com frequência as largas folhas das Musáceas e Marantáceas até que finalmente, abra, no azul a copa das suas árvores mais altas, cedros e tauaris, paus-mulatos e cumarus, mamoranas e maparajubas, açacuzeiros, andirobas e copaíbas mas entre as quais avultará sempre o imponente pavilhão das sumaumeiras". Astrocarium murumuru . C. Fr. von Martius. Historia Naturalis Palmarum - 1823-1850