Vocabulário histórico da Amazônia e sua presença na literatura: Jiquitaia.


JIQUITAIA- Formiga de pequeno porte, geralmente avermelhada, cuja ferroada é muito dolorosa.
 
ETIMOLOGIA - Segundo o Prof. Pirajá da Silva: Jequitaia - Gequitaia, corruptela de cigie-taia: "o que queima". Para o Dr.  Vicente Chermont de Miranda  a pimenta malagueta seca e reduzida a pó é conhecida pelo mesmo nome, pois a picada dessa formiga  arde como pimenta. Sin./Var.: formiga-lava-pés, lava-pés, caga-fogo, formiga-brava, formiga-de-fogo, formiga-quente, formiga-malagueta, formiga-ruiva, itaciba, jequitaia, mordedeira, queima-queima, taciba.
 
LITERATURA: Francisco de Barros Junior narra seu encontro com essas formigas:
 
"A formiga-de-fogo, assim denominada vulgarmente pela sua coloração avermelhada, e semelhança a queimaduras, a sensação provocada por suas picadas, é o martírio dos caçadores e pescadores dessas terras.
Quando a enchente ganha a planície, as formigas dessa espécie  abandonam seus ninhos subterrâneos e sobem para as árvores, buscando abrigo sob a casca, ou no caule das imbaúbas, cheio de cavernas. Essa espécie vegetal chama-se também "pau-de-formiga", pois não se encontra uma única de suas árvores sem que nela exista formigueiro. Acredito que se fosse possível destruir a espécie, acabar-se-ia com noventa por cento das formigas do Amazonas. Se o abrigo buscado pelas formigas-de-fogo é de todo submerso pela enchente e está isolado não permitindo passarem-se para outra árvore, agarram-se umas às outras e formam uma bola que flutua sobre as águas, ao sabor da brisa ou levada pela correnteza. Ai do canoeiro desprevenido que esbarre com a embarcação nesse montículo avermelhado! Provocará como que um incêndio que em poucos segundos se espalhará por toda a embarcação, e levará a ardência do fogo às carnes do incauto. E se este não acudir a tempo, o único remédio será saltar para á água, afrontando as piranhas e jacarés, para, inundando o barco, não ser morto, sofrendo os mesmos martírios dos queimados vivos, mas com fogo que vem de dentro do corpo, para onde foi levado pela injeção do terrível ácido fórmico.
O piloto precavido, leva sempre à mão um saco de estopa. Quando por inadvertência esbarra em uma colônia das terríveis formigas, depois de uma violenta remada para afastar-se do grosso dos invasores vai batendo para mata-las ou faze-las caírem na água.
Uma vez, no Aramanduba, íamos quase entrando em um capão inundado, onde, em uma árvore mais alta, pousavam marrecas. Ambos, eu e o piloto, tínhamos toda a nossa atenção voltada para um casal de patos que abava de pousar. Havia ele dado uma forte remada, e o deslizava docemente, enquanto nos conservávamos curvados e imóveis, quando o piloto, dando uma forte remada, exclamou, cheio de pavor:
-Virge! As formiga!...
Com o remo, imprimiu um movimento lateral no casquinho, de sorte que só um ponto próximo da proa roçou o bolo de formigas, por três a quatro segundos apenas. Embora fosse assim de poucos segundos o contato, a borda do barco "avermelhou". O piloto veio para o centro, e como como um possesso entrou a bater com o saco, sem cessar de implorar a Virgem, e outros santos. [...].
Quando navego nesses lagos, ou mesmo em qualquer rio, liberto-me de tudo o que possa dificultar-me a natação, a começar pelos sapatos e polainas, ou botas. Nessa ocasião, estava de meias, que me sujeitavam as bordas da calça do pijama, à guisa de polainas, protegendo-me contra os piuns e carapanãs. Assim, livrei-me por mais tempo das dolorosas ferroadas. O piloto esfregava desesperadamente pés e pernas, entremeava pragas com rogos à corte celestial. Para trás, ficara o bolo de formigas que quase se desmanchava de todo, mas ia-se refazendo em meio da mancha avermelhada das que se haviam dispersado para subir no barco. Neste, a faina de bater e esmagar as que nos ferravam, ia em delírio. Eu, antes do companheiro que arrancava furiosamente as roupas, já estava inteiramente nu, pois indo de pijama, foi-me fácil desembaraçar-me das duas peças já cheias de formigas. Pelo impulso da remada, o casquinho foi deslizando, e a esse tempo estava próximo de uma árvore com um galho horizontal, por debaixo do qual íamos passar. Não perdi tempo. Com a agilidade de um acrobata de circo, instalei-me sobre ele, como sobre uma barra fixa. Verdade é que para consegui-lo, sofri diversos arranhões nos braços, pernas e barriga, e que sangravam, mas ali estava bancando o Adão antes do pecado, porém livre das causticantes ferroadas. [...]". Francisco de Barros Junior (1883-1969). Caçando e pescando por todo o Brasil: Quarta série, 1950.
 
 
Imagem extraída de http://www.formigasbrasil.com/

 
 
 

Comentários

  1. Super interessante. Dificil encontrar toda essa descrição em outros websites, que normalmente descrevem a mesma coisa.

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  2. Super interessante. Dificil encontrar toda essa descrição em outros websites, que normalmente descrevem a mesma coisa.

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  3. Agradeço o comentário e a visita ao meu Blog! Abraços.

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